segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Ruelas estreitas,
Casarões...
Por onde andei?
Já não sei para onde vou. 

Já não sei onde estou
Já perdi quem sou

Ruelas estreitas,
Casarões...
Que nada mais significam, além
De veias, artérias, coracão. 




segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Deixei escapar ondas de luz - pura luz - que traiçoeiramente se curvaram ao objeto frio e artificial, tornando-o alvo invisível, impalpável, inatingível. Nada vi, nada vivi. Então, abandono esse meu pensamento  - farto de tantos reflexos - e passo a entender o sentido do ver, direto. E, como quem consegue dormir, depois de noites e noites em claro, recolho a luz das estrelas, contraio e suavemente parto.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Poucos minutos
e a chance de preencher esse vazio
estará fora de cogitação.
Poucos minutos
para eu me expor sem correr riscos.
Poucos minutos
para daqui conceber a frase perfeita,
o pensamento perfeito,
o instante perfeito da criação.
Poucos minutos eu tenho
para pensar nas perguntas importantes
e em suas possíveis respostas.
Poucos minutos para registrar tudo
que a minha percepção pode captar.
Poucos minutos para viver,
sem ter de deixar o coração sozinho batendo
ao lado da xícara de café.
Poucos minutos...
e os
meus olhos,
os meus olhos se voltam apenas para casa em ruínas:
apenas intuo o que está para acontecer.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Vento louco sem coracão
tapa os ouvidos
cerra os olhos 
e abre sua grande boca
para soprar em mim
(em vez de asas)
a voz simples e grave da madrugada

quinta-feira, 30 de julho de 2009

E era naquela imensidão escura, com brilho de ônix, que Bia desejava entrar. Decidiu abrir a porta da sala principal, mas vacilou no primeiro olhar entre o vão; sentiu um calafrio repentino. Ventos fortes indicavam tempestade. Bia teve medo, intuiu o perigo e bateu a porta delicadamente. Não viu o que tinha dentro, o mistério.

Na segunda vez estava claro, muito claro que ela não deveria transpor a porta daquela sala, mas Bia não resistia ao pensamento de romper a barreira e mergulhar, não de vez, mas gradativamente no breu. Ela não poderia deixar de ser fisgada por esse desconhecido sedutor, capaz de manipular os seus desejos mais secretos.

Deixou-se levar pelas circunstâncias e, uma terceira vez, por acaso, encontrou a porta aberta. Entrou e saiu varias vezes: pôde ver luzes estranhas a sua volta, vultos e também ouvir sons metálicos, estridentes como a queda de barras de alumínio num chão gelado. Bia vislumbrou uma lança extremamente pontiaguda a espera do seu coração. O mistério estava demasiadamente próximo e íntimo.

Ela fechou a porta. Abriu os olhos. Não quis acreditar no que havia presenciado. Pensou serem os fantasmas da sua própria imaginação. Tentou se convencer de que naquela sala havia apenas escuridão silenciosa, sem mistério algum; sem luzes, sem vultos e sem sons. Mas a lança pontiaguda era uma imagem forte em sua mente, vívida demais para ser mentira.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Era final de tarde entre as mangueiras da cidade. O sol, já cansado de brilhar o dia, dava uma trégua para aqueles que ainda estavam na rua. Os raios enfraquecidos entrecortavam as folhas das árvores criando uma atmosfera mágica, fresca e idealmente tropical. Eu não podia deixar de me sentir bem naquele dia. Aquele instante satisfazia meu sonho de infância de viver para sempre entre árvores, bichos, plantas, frutas, rios.

Mas eu não estava bem. Não estava bem mesmo. O túnel de mangueiras virou uma ameaça terrível; as mangas estavam prestes a despencar das árvores e atingir meu crânio já debilitado. O sol, escaldante, mesmo no final da tarde, era a metáfora do próprio inferno. Sentia-me sufocada e entrecortada pelos raios-labaredas. A atmosfera tinha um quê de feitiço que me prendia numa sensação mórbida de fim. O frescor inexistia e o clima tropical acendia os sentimentos mais tristes da minha alma. Meu sonho de infância havia se transformado num viver para sempre longe de árvores, bichos, frutas e rios.

Eu estava sozinha. Eu me sentia sozinha, talvez como qualquer outra pessoa do planeta se sente só no lugar em que está, no momento em que está. Entre as mangueiras da cidade eu vi sentido nenhum em ter querido um dia estar ali. E estar só e não ver sentido talvez seja o sentimento mais comum entre as pessoas. E eu que sempre quis epifania...

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Ensaio
Clara antevia o futuro. Não, não era vidente ou coisa parecida, apenas sabia como os fatos iriam se desenrolar, tinha uma espécie de radar lógico. Assim, passava muitas horas do seu dia brincando com os acontecimentos. Deitava-se na grama do parque da cidade, esticava o corpo para depois acomodá-lo ao chão e esperava que uma tela imaginária surgisse a sua frente. Mas Clara não se via deitada no chão, nunca. Sempre estava acima dos outros, observando os seus passos e gestos, penetrando o olhar nos olhares mais perdidos e era dali que ela extraía a matéria viva para as suas previsões. Tinha olho clínico e um prazer incontrolável de controlar seus objetos.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Desvio a palavra
em nuvens de ilusão
ergo-me e não me concentro
- voo alto em filamentos.
Busco essências na ausência de luz dos
seus olhos negros
E, escapo,
sem querer, para dentro do seu templo.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Dentro de casa
mora um pássaro grande
que esconde suas próprias asas -
fios tênues cerceiam sua envergadura;
ele não voa,
ele apenas ensaia uma abertura.

Sonho com o dia em que ele será apenas voo livre,
sem laços e traços de coração pássaro
(atrofiado)
assim, sua real envergadura poderá fazer sombra sobre o universo.
Isso ele deseja ardentemente
na tentativa sempre vã de voar em versos.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Muitas vezes esqueço deste mundo.
Outras, me concentro apenas em janelas.
Mas há momentos (e estes são os mais importantes)
que não estou nem aqui nem lá.
Fico assim, numa zona cinzenta:
sem pensamento, sem atitude.
Nessas horas,
sou completamente tomada pelo torpor
e pela insônia que insiste em me devorar.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Escancaro a face arenosa do meu ser
a todo instante
a todo minúsculo e insignificante acontecimento.
Tudo fica registrado em minha pele
É só ler os sinais.
Por isso, meu tecido não é seda
É áspero e cheio de surpresas.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Sento na cadeira da escola para ler silenciosamente
um poema de João Cabral de Melo Neto -
"O Ritmo do Chimborazo", meu poema predileto.
Sem escolha: grito o poema dentro de mim.
Controlo e expando
O riso e as lágrimas
E nesse ir e vir
De me soltar e de me contrair
Não sei onde estou:
Se fora ou se dentro.
Na imagem do espelho
Vejo apenas o intervalo
Desse eu em movimento.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Eu não me desenho
Eu não sei me ver
E não há espelho que reflita
O que eu não sei ser.

Então eu quero ser outra!
(ou talvez não ser)
Uma outra que também deseja ser outra
(ou talvez não ser)
Não sei.

Como se qualquer coisa que desejo, ser ou não ser
Não sentisse dor
Ou que essa dor fosse apenas ficção:
mertiolate incolor.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Abro a janela:
vejo apenas o muro branco
onde o Sol acende e apaga sua luz.
Então o dia está ensolarado,
que pena!
Eu queria nuvens, cinza, chuva.
Razão para ficar só em meu quarto fechado.

Mas o Sol grita com todos os seus raios-letras grandes: acorda!
Um quarto fechado é uma vida morta.
Eu sou a luz!
Não quero Sol, quero ficar deitada,
aqui,
onde talvez não exista nada.
O que é não existir nada, existir nada, não ser nada, ser nada?

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Eu não sei se quero fumar uma cigarrilha
Ou escrever um poema
Neste dia interminavelmente chuvoso
Nesse trópico tristeza
Estou entre fumaça e versos.

Os dedos puxam a cigarrilha
Risco o fósforo
A mente puxa a palavra primeira
Arrisco um pensamento
Desisto!
Não estou para fumaça e versos.

Olho a chuva, simplesmente.