quinta-feira, 30 de julho de 2009

E era naquela imensidão escura, com brilho de ônix, que Bia desejava entrar. Decidiu abrir a porta da sala principal, mas vacilou no primeiro olhar entre o vão; sentiu um calafrio repentino. Ventos fortes indicavam tempestade. Bia teve medo, intuiu o perigo e bateu a porta delicadamente. Não viu o que tinha dentro, o mistério.

Na segunda vez estava claro, muito claro que ela não deveria transpor a porta daquela sala, mas Bia não resistia ao pensamento de romper a barreira e mergulhar, não de vez, mas gradativamente no breu. Ela não poderia deixar de ser fisgada por esse desconhecido sedutor, capaz de manipular os seus desejos mais secretos.

Deixou-se levar pelas circunstâncias e, uma terceira vez, por acaso, encontrou a porta aberta. Entrou e saiu varias vezes: pôde ver luzes estranhas a sua volta, vultos e também ouvir sons metálicos, estridentes como a queda de barras de alumínio num chão gelado. Bia vislumbrou uma lança extremamente pontiaguda a espera do seu coração. O mistério estava demasiadamente próximo e íntimo.

Ela fechou a porta. Abriu os olhos. Não quis acreditar no que havia presenciado. Pensou serem os fantasmas da sua própria imaginação. Tentou se convencer de que naquela sala havia apenas escuridão silenciosa, sem mistério algum; sem luzes, sem vultos e sem sons. Mas a lança pontiaguda era uma imagem forte em sua mente, vívida demais para ser mentira.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Era final de tarde entre as mangueiras da cidade. O sol, já cansado de brilhar o dia, dava uma trégua para aqueles que ainda estavam na rua. Os raios enfraquecidos entrecortavam as folhas das árvores criando uma atmosfera mágica, fresca e idealmente tropical. Eu não podia deixar de me sentir bem naquele dia. Aquele instante satisfazia meu sonho de infância de viver para sempre entre árvores, bichos, plantas, frutas, rios.

Mas eu não estava bem. Não estava bem mesmo. O túnel de mangueiras virou uma ameaça terrível; as mangas estavam prestes a despencar das árvores e atingir meu crânio já debilitado. O sol, escaldante, mesmo no final da tarde, era a metáfora do próprio inferno. Sentia-me sufocada e entrecortada pelos raios-labaredas. A atmosfera tinha um quê de feitiço que me prendia numa sensação mórbida de fim. O frescor inexistia e o clima tropical acendia os sentimentos mais tristes da minha alma. Meu sonho de infância havia se transformado num viver para sempre longe de árvores, bichos, frutas e rios.

Eu estava sozinha. Eu me sentia sozinha, talvez como qualquer outra pessoa do planeta se sente só no lugar em que está, no momento em que está. Entre as mangueiras da cidade eu vi sentido nenhum em ter querido um dia estar ali. E estar só e não ver sentido talvez seja o sentimento mais comum entre as pessoas. E eu que sempre quis epifania...

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Ensaio
Clara antevia o futuro. Não, não era vidente ou coisa parecida, apenas sabia como os fatos iriam se desenrolar, tinha uma espécie de radar lógico. Assim, passava muitas horas do seu dia brincando com os acontecimentos. Deitava-se na grama do parque da cidade, esticava o corpo para depois acomodá-lo ao chão e esperava que uma tela imaginária surgisse a sua frente. Mas Clara não se via deitada no chão, nunca. Sempre estava acima dos outros, observando os seus passos e gestos, penetrando o olhar nos olhares mais perdidos e era dali que ela extraía a matéria viva para as suas previsões. Tinha olho clínico e um prazer incontrolável de controlar seus objetos.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Desvio a palavra
em nuvens de ilusão
ergo-me e não me concentro
- voo alto em filamentos.
Busco essências na ausência de luz dos
seus olhos negros
E, escapo,
sem querer, para dentro do seu templo.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Dentro de casa
mora um pássaro grande
que esconde suas próprias asas -
fios tênues cerceiam sua envergadura;
ele não voa,
ele apenas ensaia uma abertura.

Sonho com o dia em que ele será apenas voo livre,
sem laços e traços de coração pássaro
(atrofiado)
assim, sua real envergadura poderá fazer sombra sobre o universo.
Isso ele deseja ardentemente
na tentativa sempre vã de voar em versos.